Glória Fácil...

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quarta-feira, outubro 18

parolidades

juro que ainda não vi o jura, a tal nova novela da sic que segundo me contaram regurgita sexo cruzado por todos os fotogramas (coisa que, a bem dizer, não creio que as novelas tenham -- fotogramas, i mean), incluindo gente a comer-se nas casas de banho da gulbenkian e maridos doidos para a brincadeira e mais não sei o quê. mas fiquei com a ideia de que faz parte de um novo trend luso, a ideia da transgressão sexual de trazer por casa. os portugueses, como dizia o ricardo araújo pereira a propósito das mamas, descobriram a infidelidade.

não me entendam mal: toda a vida e em todos os tempos houve isso a que se chama infidelidade e que é, basicamente, ter sexo com uma ou várias pessoas enquanto se 'mantém uma relação' com outra a quem se 'poupa' o conhecimento desses convívios. (há casos, no entanto, em que as incursões 'exteriores' à relação são assumidas e consensuais, ou, pelo menos, debatidas. não sei se isso também entrará na definição de infidelidade, mas para este post esse tipo não me interessa).

infidelidade e uma vida sexual, digamos, variada e imaginativa não são a mesma coisa, embora ultimamente se tenda a confundir as coisas. há uma diferença essencial: andar a entrar e a sair de camas a nosso bel prazer e chegar a casa e dormir só é uma coisa, ter lá alguém à espera para fazer conchinha e assegurar as canjas na gripe e o carrego dos sacos do super escada acima é outra -- por algum motivo se usa, como sinónimo de ser infiel, 'enganar'.

ser infiel é, pois, ser desleal. mentir, ocultar, retirar ao outro a possibilidade de decidir com base na informação toda. é fundamentalmente uma forma de desrespeito, indiciadora de uma falha de carácter. não é para poupar o outro que o infiel mente, mas para se poupar a si a incomodidade de ter de conviver com as consequências previsíveis da revelação.

escapa-me, por estes motivos, a razão do fascínio que tanta gente evidencia pela ideia de infidelidade, como se quisesse certificar que, por ali, nada é monótono, fastidioso, tristemente caseiro, cinzentamente igual. a infidelidade é apresentada como certificado de sofisticação, cosmopolitismo e elevação -- chegou-se ao ponto de desfazer em cavaco silva por 'não ter ar de ter amantes' ou de elogiar em mário soares o 'ar folgazão, de quem teve inúmeras' (embora se crucifique na praça pública uma figura como elsa raposo, porque alegadamente foi infiel ao noivo, ou lá o que foi).

tudo isto, desculpem lá, é sumamente parolo e claramente subsidiário do mais estafado sistema de valores, uma espécie de rebeldia bacoca contra os ensinamentos do pároco da aldeia. como me parece ser parolíssima, só de ouvir dizer, a tal novela das juras não cumpridas. toda a gente mente, toda a gente é desleal de vez em quando, e a maioria será infiel, no sentido sexual, mais tarde ou mais cedo. é da vida. mas não é decerto motivo de orgulho, nem critério de estratificação social do género 'coitadinhos dos pobrezinhos, são tão saloios e têm tanta falta de imaginação, arroubo e tempo que não conseguem sequer ser infiéis, que vida enfadonha devem ter, sem saber o gozo que dá usar a hora de almoço para uma escapadela e chegar a casa com ar de santinha/o, como se nada se tivesse passado!'.

parece-me que basear nisto uma presunção de superioridade é que é uma tristeza.
|| f., 12:05

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