Glória Fácil...

...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]

quinta-feira, agosto 10

socialismo o muerte

estive em cuba em 1991, em trabalho para a grande reportagem. só me mandaram por 4 dias e não saí de havana e arredores. estava a decorrer o não sei quantos congresso do pc cubano e fui como turista porque não me davam visto como jornalista.

achei havana lindíssima, de uma beleza melancólica e apodrecida. entristeceu-me a miséria do povo, reduzido a pedinte sistemático ante os estrangeiros, as gineteras adolescentes alinhadas, à escolha, à porta das discotecas, e lá dentro aos cachos à volta dos turistas barrigudos, as filas de mulheres e homens de olhos sombrios em fila ao sol, à porta da mercearia, na mira de uma distribuição de frango, os pacotes racionados de feijão preto, o grande armazém empoeirado com vestidos de noiva onde só se entrava com senhas especiais, o homem que me pôs a mão no ombro e disse, devagar, 'é uma bela ilha, mas não se pode viver aqui. não vê que não temos nada?'.

comoveu-me a senhora de oitenta anos a quem ofereci os três sabonetes lux que tinha levado na mala por me terem dito que o sabão estava racionado e que se agarrou a mim a chorar, sob um retrato de che guevara colado nas paredes descascadas da sala, a desejar-me 'tudo de bom para ti, hija mia', como se lhe tivesse dado a lua.

comoveram-me os intelectuais 'do contra' que falaram comigo numa tarde de domingo, com uma gravidade cansada, da 'situação'. um mês depois um deles, uma poetisa, seria presa, arrastada pelos cabelos escada abaixo.

enfureceu-me a brigada de polícias que prendeu um cubano que jantara comigo na bodeguita del medio, o restaurante 'de hemingway', por ter jantado comigo. era, explicaram-me, um 'subversivo' porque um cubano não podia dar-se com turistas.

espantou-me a cenografia imobilista, romântico-irónica do país, os cartazes enormes de louvor a fidel e à revolução espalhados nas ruas, as belas notas encarnadas com a efígie de che guevara, os automóveis e as motos anos 50 remendados com arames, os slogans decapados pelo humor negro dos cubanos -- socialismo ou muerte? muerte, porque socialismo no lo hay.

escrevi sobre tudo isso um texto, hasta la victoria nunca, publicado em outubro de 1991. choveram cartas e críticas de pessoas que me garantiam que não podia ter visto o que tinha visto. umas nunca tinham ido a cuba. outras tinham lá ido e visto exactamente o contrário. o fenómeno não é de hoje nem específico de cuba.

a propósito, ler o joão do portugal dos pequeninos (http://portugaldospequeninos.blogspot.com/2006/08/melhor-sorte.html) e o tiago do kontratempos (www.kontratempos.blogspot.com) sobre cuba. desculpem lá, o maczinho não linka.
|| f., 00:56

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