Glória Fácil...

...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]

segunda-feira, julho 24

até não perceber

em setembro de 2003, dez dias após o atentado na sede da onu que matou sérgio vieira de mello, entrei no iraque, por estrada, vinda da jordânia. na noite da partida, jantei num restaurante 'da moda' de aman, com dois jordanos palestinianos (ou ao contrário), uma professora universitária e um arquitecto, e uma iraquiana cujo marido permanecia em bagdad, a trabalhar na al jazeera. e eles perguntaram

"Porque queres ir a Bagdad?".

"Por que é que alguém há-de querer lá ir, agora?"

A conversa, entrecortada por pizzas, kebabs e pela música ambiente, passa sobretudo por isso a que se chama “a questão do Médio-Oriente” — da sempiterna discussão sobre a legitimidade do Estado de Israel às razões (?) dos bombistas suicidas, passando pelo direito à auto-determinação dos povos, pelas culpas dos ex-colonizadores e pelo voluntarismo imperial dos americanos —, até se fixar no conflito Ocidente-Oriente e na indizível fronteira que define os nossos e os outros e faz mil vezes mais insuportável, daqui, a visão de uma soldado americana negra feita prisioneira que a de uma criança iraquiana destroçada numa cama de hospital. "Por que é que isso sucede", pergunta, pungente, um dos jordanos, ele que se tortura no mesmo, esta guerra de empatias e da falta delas. Impossível responder, racionalizar. É sobretudo por isso que se vai a Bagdad — para descobrir a improbabilidade do sangue e acertar o coração por mais outro hemisfério, o nome secreto de outros irmãos.


(excerto de 'não, tu não viste nada em bagdad', publicado na notícias magazine em 2003)
|| f., 19:21

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