Glória Fácil...

...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]

sexta-feira, novembro 11

Aborto - a conversa continua

No DN de 4 de Novembro passado, João Miguel Tavares escreveu isto, que por sua vez comentava um texto da Ana no PÚBLICO (não há link). A Ana e a Fernanda voltaram ao assunto, respectivamente aqui e aqui. Hoje, novamente no DN, o João diz de novo de sua justiça. Como não encontrei o texto na edição on line do jornal, deixo duas frases:
"O que eu defendo, para ser mais claro, é que as mulheres que abortam não devem ser julgadas, mas que também não devem ser apoiadas pelo Estado para além dos casos já previstos na lei."
(...)
"Desconfio que Ana Sá Lopes e Fernanda Câncio desejam que o Estado apoie todas as mulheres que queiram abortar até às dez semanas - e isso é muito mais que descriminalizar; isso é, na minha opinião, perverter a essência de uma saúde pública que serve exclusivamente para curar pessoas e prevenir doenças. E, por enquanto, a gravidez ainda não é uma doença."


PS - Recebemos um mail de Leonel Santos, que publicamos, na íntegra:

Meus caro Ricardo Gross,

Já que a polémica é pública, eu gostaria também de meter a minha colherada.
Não vou dizer muitas coisas porque eu penso que estamos a falar de uma questão sem grandes dúvidas, "uma questão básica de direitos humanos" (bom, eu não lhe chamaria assim, mas é uma expressão que eu aceito.), tão óbvia que nem admitiria discussão As únicas posições que eu compreendo são as extremas: as pessoas (mulheres e homens) que são a favor do aborto, pelas razões "naturais": as pessoas que não querem ter (mais) filhos e cujas mulheres engravidaram; e as que estão contra e que só se me afigura poder ser por razões ideológicas/ religiosas. No meio estão patetices.
Tenho alguma dificuldade em compreender a polémica porque as coisas para mim são simples:
As pessoas têm relações sexuais. Muitas vezes na vida e não apenas duas ou três para ter dois ou três filhos como o tal senhor deputado; muitas vezes por ano e por mês, semana e até dia, sei lá, porque sim. Enfim, ter relações sexuais é natural e normal e faz parte da vida das pessoas, das relações das pessoas e do seu quotidiano..., ou será que algum dos contendores não pensa assim? E quando têm relações sexuais, com frequência têm relações sexuais com indivíduos do outro sexo. Acontece que por vezes as mulheres (uma das partes) engravidam. Isto apesar dos modernos meios de contracepção e apesar de todos os eventuais cuidados (eu nem quero falar de situações extremas de violações ou noutra dimensão, malformações, perante as quais a minha posição é a de considerar os militantes pró-vida defensores da vida a todo o custo, são a escória da sociedade, ou escumalha, fazendo minhas as palavras do Sr. Ministro do Interior francês).
Não é pois um problema das mulheres ou de mulheres, e disso eu discordo das feministas. É um problema dos homens e das mulheres, embora as mulheres tenham obviamente um voto de qualidade pois é na barriga delas que a coisa se dá. Mas é um problema dos homens e das mulheres e como eles fazem parte da sociedade, passa a ser um problema social, de toda a sociedade e não apenas dalguns. Então a sociedade tem de assumir o problema e deixar-se de cinismos. Faz-me confusão ouvir rapazinhos esclarecidos assobiar de lado e bater a perninha e fingir que o problema não é deles e só das mulheres que lhes apetece abortar de vez em quando e que por isso o Estado não tem nada que assumir.

Diálogo:

Madalena: "Ò Maria, hoje está mesmo a apetecer-me fazer um aborto. Não queres vir comigo?"
Maria: "Então e porque é que vais fazer o aborto?"
Maria: "Ora sei lá, ontem à noite não sei o que jantei que fiquei assim grávida. Mas vou ali ao hospital e resolvo já isto.". ou, 2ª resposta:
Maria: "Vou ver como é; a Patrícia Raquel fez um aborto a semana passada e contou-me. Foi fantástico. Vou fazer um também e depois conto-te."

Eu nasci homem. E se acho que deve ser fantástico sentir um ser nascer e crescer dentro da barriga, a simples ideia do parto dá-me vómitos. Mas penso que (poder) ser mãe deve ser fantástico e por isso não posso deixar de pensar como (ter de) fazer um aborto pode ser traumático. Se a sociedade lhe complica a vida, se persegue as mulheres, se lhes aponta o dedo em vez de as proteger, está a procurar a sua infelicidade. E por tabela dos homens.
Nenhuma mulher terá alguma vez prazer em fazer um aborto, mas pelo discurso dos reaccionários, parece que é disso que se trata: de impedir fazer aborto às mulheres porque elas gostam de o fazer. As mulheres ou as famílias que fazem abortos fazem-no porque consideram (eventualmente até erroneamente, mas é uma decisão deles) que isso é melhor para o seu equilíbrio, para a sua estabilidade, para o seu futuro. É uma questão de felicidade, mas é uma questão civilizacional porque ela não se punha na pré-história nem na idade média. Põe-se hoje, nos tempos modernos, em que os homens e as mulheres estabelecem novos acordos entre si, de igualdade de direitos e de deveres, na busca da sua realização pessoal e social e da sua felicidade. Os que não entendem isto são pessoas infelizes ou traumatizadas que põem ideologias ou concepções religiosas à frente da sua vida. Mau para eles. Mas quererem impor aos outros é pior. Eu preferia que a sociedade assumisse esta questão de vez e por isso defendo o referendo. Mas não esqueço que apesar de a moderna sociedade portuguesa ser maioritariamente a favor da despenalização do aborto, votou contra porque um idiota de um primeiro ministro pretensamente socialista resolveu mudar de ideias para fazer um favor à Opus Dei e apelou ao voto contra e infelizmente as pessoas vão com frequência atrás dos seus líderes. E por isso tenho receio que aconteça outro episódio triste e a sociedade portuguesa perca a oportunidade de eliminar uma das razões de infelicidade das pessoas e da sua própria infelicidade. Porque é disto que se trata: da felicidade das pessoas, da sua realização pessoal, da sua vida. Porque as pessoas são infelizes quando têm filhos que não desejam ou não podem sustentar, quando têm filhos de pessoas com quem tiveram relações ocasionais, porque as pessoas que têm vida interior e emoções por vezes acontece-lhes ir para a cama com pessoas que depois descobrem não ser as pessoas certas. A História fala disto, de amores à primeira vista, quantas vezes efémeros amores, mas que deixaram marcas para toda a vida. Às vezes físicas. Um filho de uma relação ocasional pode ser um drama, pode destruir uma vida. E no entanto, bastava apenas um pouco... Uma das nossas maiores poetas falava disso: "amar amar perdidamente....". As pessoas amam. E às vezes engravidam. Mas como as mulheres hoje não podem(devem) ter filhos todos os anos, a sociedade deve velar para que elas amem mas não sejam infelizes.
Não sei se o nosso amigo JMT alguma vez se apaixonou por uma noite. Se o não foi, lamento-o. Se o foi, sabe que se não teve filhos foi porque teve sorte. E se teve sorte, outros talvez não tenham tido, mas a sociedade mais justa deve velar pelos que têm sorte e os que não têm. Para que não nasçam filhos indesejados que depois andem pelas ruas a vender droga, a roubar e a incendiar carros.
Aqueles trocadilhos inanes em torno da perversão da essência da saúde pública vai no mesmo sentido dos reaccionários que acham que não deve haver escolas de artes porque fomentam a criação de batalhões de homossexuais inúteis, dos que pensam que a recuperação dos delinquentes ou dos drogados é um desperdício, etc. etc. Cuidado!
Quero crer que se trata apenas de uma questão de imaturidade.
Enfim, para quem não queria escrever muito, já me excedi. De qualquer forma estas coisas foram-me surgindo ao correr da pena e não tive tempo de as reler.
Mas apetece-me enviá-las ao meu amigo Gross que não costuma perder uma boa polémica. E aos restantes, para conhecimento.
Leonel Santos
|| JPH, 12:28

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