Glória Fácil...

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quarta-feira, dezembro 29

Darwin e o tsunami

Calhou mal, muito mal mesmo. Um tipo pára uns dias pelo Natal e escolhe para ler (ou melhor: devorar) uma biografia do Charles Darwin, o da evolução da espécie e da selecção natural e etc. Aí tudo o que já era claro fica ainda mais claro: terramotos devastadores são vírgulas na história do planeta, pinguinhos de água no oceano, coisinhas sem importância nenhuma. E enfim lá percebe que, no contexto da época, o quão difícil foi para o Darwin explicar, assim quase como quem pede desculpa, que, enfim, isto da história do planeta só lá ia com mil milhões de anos (coisa pouca, hoje parece que as contas apontam para 4,5 mil milhões de anos). É claro que ele fez as contas por baixo porque na altura havia teológos ingleses que, no máximo, concediam quatro mil e tal anos e nem mais um segundo.

Voltando à vaca fria: um tipo lê Darwin e não tem outro remédio senão perceber que um terramoto como o de 1755 não valeu um caracol na história da humanidade. E depois de (re)adquiridas todas estas certezas vem um tsunami que arrasa a costa de uma data de países e mata dezenas e dezenas de milhares de pessoas, provavelmente centenas de milhares, quem sabe se a prazo não um milhão ou mais (fora a destruição da economia, o desemprego, a fome, etc). E aí percebe-se o que o Darwin sofreu para escrever o que escreveu (sofreu tanto que andou 20 anos a atrasar a escrita da coisa e ia sendo comido por um investigador concorrente, aliás foi mesmo, a sorte é que o tal concorrente cedeu gentilmente a primazia ao velho mestre).

Como se explica, afinal, que o que aconteceu no sudeste asiático é só mais uma vírgula na história, depois daqueles mortos todos? Emocionamo-nos com vírgulas? Sim, claro, eu pensava que não mas afinal sim.

E agora? Agora atiro-me aos crentes e aos que lhes alimentam as crendices. Confiam no Deus todo-poderoso para os proteger de tudo e mais alguma coisa e depois, preguiçosamente escondidos atrás da fé, esquecem-se de tratar eles próprios de proteger as suas vidas, pelas suas próprias mãos. Resumindo: nada se prepara para a eventualidade de um desastre. (No caso presente, em certas zonas chegou a haver duas horas para evacuar as linhas de costa, duas horas entre o sismo que deu origem à onda e o rebentamento desta. Nos EUA aperceberam-se da coisa mas não tinham interlocutores com quem falar lá no Índico).

Deus trata de tudo, estejamos descansados. Sim, nós por cá também, como os milhares do sudeste asiático agora submersos, porque eu até ouvi um tipo qualquer da Protecção Civil dizer um dia destes na rádio, por ocasião do nosso sisminho, que nas comemorações dos 250 anos do terramoto de 1755 (no ano que vem) seria lançado um fantástico plano de prevenção para uma eventualidade semelhante voltar a ocorrer. Fixe! Podemos todos dormir descansados! Aquele sisminho de há dias ali ao largo de Sagres ou lá que é foi sem querer, não liguem, está tudo sob controlo, em princípio nada acontecerá antes da pombalina efeméride.

Em princípio…pois…fiem-se na Virgem e não corram!
|| JPH, 16:26

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