Glória Fácil...

...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]

segunda-feira, setembro 15

O ódio aos jornalistas

Paira por aí, na blogosfera, um certo ódio aos "jornalistas". Que são manipuladores, arrogantes, autistas, sobranceiros, umas divas insuportáveis que vieram conspurcar este gentil meio e dar-lhe cabo da sua pureza original - que residia no facto de qualquer cidadão médio poder fazer, com escassos conhecimentos técnicos e quase de borla, o seu próprio "media".

Cinquenta anos de silêncio salazarista fazem com que este ódio aos jornalistas - tal como, aliás, o ódio ao parlamentarismo e aos políticos que mais se expõem nesse sistema - tenha ainda raízes profundas na sociedade portuguesa. O jornalismo, como o parlamentarismo, vive do conflito, da exploração das dissonâncias, desasossega, inebria-se com o cheiro da pólvora. E não é em 30 anos de democracia, os primeiros dos quais bastantes tempestuosos, que se "ensina" a um país que a "anormalidade" faz parte da normalidade - que as coisas são mesmo assim e é melhor que assim sejam porque senão, caso contrário, morremos todos outra vez de pasmo, orgulhosamente sós.

O que às vezes surpreende na relação desta sociedade com os seus jornalistas é que a rejeição maior não parte do "terceiro estado", supostamente menos culto e educado, mas sim das elites, supostamente mais conscientes da necessidade imperativa de se estar permanentemente, como o fazem os jornalistas, a revelar os conflitos e a, com isso, introduzir na actualidade uma constante agitação.

Se calhar o problema é de influência. As elites vêem com bastante preocupação a sua influência pública ser diminuída por via da influência conquistada por uma "classe" (ou "corporação") que acham ser, genericamente, inculta, desbragada, alcoolizada, muito gregária (ou seja, aparentemente unida), inconsciente da sua responsabilidade social, desrespeitadora das hierarquias institucionais e sociais pré-estabelecidas e (mais grave que tudo), cujo poder não é assente em nenhuma legitimidade clássica (académica, eleitoral, económica ou, enfim, de puro e simples "pedigree", por via de direitos históricos adquiridos).

Parece que o fenómeno se transplantou (naturalmente) para os blogues, que são um "media" inovador na medida em que jornalistas e não-jornalistas estão em rigoroso pé de igualdade na influência que têm (ou não têm). Tenho lido em vários blogues referências verdadeiramente rancorosas (e, na maior parte dos casos, muito portuguesmente anónimas) em relação às "estrelas" (e outros epítetos do género) que integram o Glória Fácil ou outros blogues onde estão jornalistas. Aliás, isto chegou ao ponto de já ter lido algures - quem quiser que enfie a carapuça - que só por puro exibicionismo é que demos os nossos nomes pelo blogue. Argumentando, ao mesmo tempo, que o anonimato não é uma opção moldada pela cobardia mas sim pela humildade, o que não pode deixar de merecer um sorriso piedoso (no mínimo).

Quem quiser pode, evidentemente, continuar a rechear as suas críticas ao que aqui se diz sublinhando que o nosso pecado original é sermos jornalistas. E até fazê-lo dizendo que os exercícios de estilo, ironias e quejandos que escrevemos aqui significam, automaticamente, que somos maus jornalistas. E até aproveitar para generalizar tudo e criticar, a partir do que fazemos no Glória Fácil, o jornalismo português em geral e o mundial em particular. Pode dizer tudo o que lhe vier à cabeça, mesmo fingindo ignorar que aqui nós não fazemos jornalismo, apenas "blogamos". Mas não nos impeçam de pensar que isso é sobretudo movido por uma característica muito humana, alheia à divisão esquerda/direita - a tolice.
|| JPH, 17:01

0 Comments:

Add a comment